
Com atenção aos detalhes e compromisso com a ecologia integral, evento busca coerência entre discurso e prática
Num momento em que o mundo clama por atitudes concretas frente à crise climática e social, o 14º Mutirão Brasileiro de Comunicação (Muticom) escolheu não apenas refletir, mas também testemunhar a ecologia integral em cada detalhe da sua realização. De 25 a 28 de setembro, comunicadores e comunicadoras de todo o Brasil se reúnem no Centro de Convenções Vasco Vasques, na capital amazonense, em um evento que une fé, comunicação e sustentabilidade com o objetivo de promover uma verdadeira conversão ecológica.
Desde o planejamento até a execução, a organização do Muticom assumiu o desafio de construir um evento com baixo impacto ambiental, tomando decisões alinhadas ao cuidado com a Casa Comum. A estrutura física, a alimentação, os materiais gráficos, a decoração e até a logística de transporte foram pensados com critério e responsabilidade, buscando reduzir desperdícios, valorizar a cultura local e promover o uso consciente dos recursos naturais.
A proposta de reduzir o impacto ambiental do evento é fruto de um esforço coletivo que une equipes pastorais, especialistas e voluntários em práticas concretas. Para a professora Marcela Amazonas do Carmo, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e missionária arquidiocesana, “a ideia era fazer com que as pessoas vivessem de fato essa instigação à conversão ecológica”, disse.
Cuidado com os materiais: cuias, copos reutilizáveis e ornamentações conscientes
Uma das preocupações centrais foi com os materiais usados durante o evento. Marcela explica que os kits distribuídos aos participantes incluem elementos típicos da cultura amazônica, como as cuias, que trazem, além de identidade, uma proposta de mudança de comportamento. “Cuias é uma coisa muito nossa. Comer em cuia, beber uma sopa, mingau em cuia. Então também é uma forma de carinho mostrar”, comentou.
O mesmo princípio foi seguido para a produção dos copos reutilizáveis: “Os copos que foram entregues não são lembrança, não são brindes só, é pra ser de novo vivido. É feito de plástico reciclado. Aquelas garrafas plásticas que coletamos, a empresa produziu esse material pra ser usado durante o evento”, explicou a professora. A meta foi cumprida com êxito: “Você vê um evento de quatro dias sem qualquer copo plástico. Então dá pra fazer”, destacou.
Da estética à ética: sinais de uma comunicação comprometida
A ornamentação do evento, por exemplo, é feita com materiais reaproveitados, como papelão, paletes e fibras naturais, integrando elementos da Amazônia que traduzem a beleza da criação sem gerar resíduos desnecessários, além de poderem ser usados em outros eventos a seguir. A toalha do altar, símbolo central da missa de abertura, foi confeccionada artesanalmente em Coari (AM), com estopa, sementes de açaí e buriti, reunindo devoção, arte e valorização da cultura amazônida.
Pequenos gestos, grandes impactos: o cuidado começa no cotidiano

Professora Marcela Amazonas
Mais do que um compromisso pontual, Marcela defende que as mudanças precisam se estender para além do evento. “Não basta eu falar e me sensibilizar, é preciso trazer essa prática pra minha realidade”, ponderou. Ela cita como exemplo um projeto de coleta de resíduos eletroeletrônicos iniciado em uma paróquia local: “Começamos com cinco, sete quilos. Hoje a CNBB Norte 1 já é doadora pra esse ponto de coleta. Recebemos impressoras da Paulinas, quatro máquinas de uma escola. Foram duzentos e quarenta quilos só de resíduos eletroeletrônicos”, afirmou.
Para a professora, o segredo está em uma mudança de olhar: “A gente tem mania de ter nojo, aversão, mas eu estou falando de resíduo, eu não estou falando de lixo. Se eu começo essa conscientização comigo mesma, se eu começo a ter essa fiscalização sobre mim e meus gestos, eu consigo”.
Tudo está interligado: cuidar da casa comum é missão de todos os biomas
Ao encerrar sua reflexão, a professora Marcela lembrou que a responsabilidade pelo cuidado com a criação não é exclusividade da Amazônia. “O Papa Francisco foi tão sábio, tão inspirado por Deus, tudo está interligado. Nós temos grande responsabilidade, mas essa responsabilidade é de todos, porque a Amazônia é bioma que pertence a casa comum e casa comum é de todos”, afirmou, destacando que todos os territórios do Brasil, do Cerrado ao Pampa, da Caatinga à Mata Atlântica, carregam em si o dever de preservar a vida em suas múltiplas formas.
É nesse espírito que o Muticom se torna testemunho: inspirado pelas palavras do Papa Francisco, lembra que “tudo está interligado”, e que cuidar da criação é tarefa urgente, cristã e compartilhada.
Por Henrique Cavalheiro
Fotos: Cláudia Pereira e Darcy Lima