
Comunicação, transformação social e sustentabilidade justa foi o tema do 2º painel do 14º Muticom na manhã do sábado (27). Participaram Cicília Maria Krohling Peruzzo, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e a jornalista Elaíze Farias, do portal Amazônia Real, com mediação de Ricardo Alvarenga, do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB).
A professora Cicília Maria discorreu sua exposição partindo de três tópicos, o primeiro sobre a importância do comunicar para transformar. Para ela, não se trata de uma transformação qualquer, mas “é algo mais profundo, é revolucionário”.
Ela recordou a encíclica Laudato sí’ do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum, destacando que é preciso transmutar estruturas, modos de pensar e as práticas que geral destruição ambiental e dos povos.
“O que está em questão é a vida, as condições de existência na casa comum. Não há separação entre o ser humano, o meio ambiente e os modos de vida, e [nesse sentido] a comunicação sensibiliza, ajuda a adquirir conhecimentos, a mudar hábitos”, afirma.
Cicília Maria também lembrou da pedagogia libertadora de Paulo Freire, para quem “a transformação é um pensamento chave, que para ele passa pela formação das massas, para aqueles sem condições de participar nos bancos das universidades. A conscientização só acontece através do desenvolvimento do próprio conhecimento e o desafio é fazer com que a própria pessoa possa adquirir esse conhecimento. É no agir e no refletir”, pontua.
O segundo tópico foi sobre a comunicação necessária, “a que liberta, que é multifacetada e intercultural”.
Entre as múltiplas faces, ela destacou o papel da comunicação popular, a exemplo da comunicação de resistência que ocorre nas pastorais, nos grupos de jovens “que carrega o sentido comunal e é feita pelas próprias comunidades”, além da comunicação alternativa e dos meios independentes “que são igualmente importantes, cada uma no seu aspecto, na sua contribuição.”
Como exemplo da relevância da comunicação alternativa e independente, ela citou o jornalista, professor e sociólogo paraense Lucio Flavio Pinto, que há décadas faz jornalismo de referência pautando a Amazônia. Citou ainda o portal Amazônia Real, que traz a perspectiva dos moradores locais na cobertura jornalística.
“A segunda dimensão tem base no diálogo, na premissa da comunicação humana. É horizontal, democrática, onde o protagonismo popular é o carro chefe, como nas rádios comunitárias. A comunicação popular e comunitária ultrapassa o uso de tecnologias, mas também é o cara a cara. Se apropria das tecnologias avançadas, mas também de outras para mostrar a realidade”, ressalta.
Sustentabilidade é questão mais profunda
O terceiro tópico foi comunicação e sustentabilidade justa, no qual destacou as iniciativas que tem surgido devido às mudanças climáticas e pontuou a importância do olhar crítico na abordagem do tema. Para a professora, a questão da sustentabilidade é mais profunda, remete à ecologia que é ambiental, mas também é econômica e social.
“Muito se fala das energias renováveis, mas elas também causam muitos problemas, como as eólicas. Ao mesmo que produzem soluções acarretam várias consequências ao meio ambiente, afetam a saúde humana e dos animais com o barulho, provoca deslocamentos, gera resíduos
A questão da sustentabilidade é mais ampla e profunda, remete à ecologia que é ambiental, mas também é econômica e social. É com engajamento e sensibilização de todos para tomada de consciência.
Também chamou atenção para o conceito de desenvolvimento afirmando que um dos elementos do bem viver está uma proposta de vida em plenitude, sem acumulação desigual dentro de um sistema de vivência comunitário e colaborativo:
“É muito mais do que viver bem e está presente em várias culturas, é ancestral. O caráter utópico dessa proposta não tira o seu valor, porque a utopia também é algo que inspira nosso caminhar. Isso exige um novo modo de agir e pensar, o sentipensar. É recuperar a ideia do nós, é superar a ideia da concorrência para estar bem. É a transformação social que passa pela cultura política, pelos sentimentos, pela educação”, conclui.
Amazônia Real e a cobertura jornalística nos territórios
Uma das fundadoras da Amazônia Real, a jornalista Elaíze Farias trouxe imagens mostrando os povos e territórios nos quais as reportagens são realizadas.
As imagens mostram o chão onde se realiza o fazer jornalístico, sobretudo dando visibilidade à voz de comunidades indígenas afetadas pela mineração e exploração de recursos.
A jornalista apresentou diversos casos denunciados pelo portal mostrando as populações e territórios atingidos. Um dos casos citados foi da Comunidade Lago do Soares, do povo mura, afetada pela exploração de potássio.
“Os povos sofrem ameaças em seu direito de existir, em sua sobrevivência. É uma comunidade muito ameaçada pela exploração de minério”. A área onde vive o povo mura é uma terra indígena não demarcada até hoje.
Segundo a jornalista, pesquisadores mostram que a etnia está entre os primeiros povos indígenas afetados pela colonização e que resiste há muito tempo. Ao mesmo tempo, enfrenta perseguições como a sofrida pelo tuxaua (cacique) da comunidade mura por denunciar e defender seu povo. A perseguição foi denunciada em reportagem do portal.
Jornalismo tem lado: imparcialidade é conceito eurocêntrico e sudestino
Ao falar da criação do portal e da linha editorial, Elaíze criticou o conceito de imparcialidade no jornalismo. Para ela o jornalismo tem viés, tem perspectiva e “o conceito de imparcialidade é eurocêntrico e sudestino”.
Na cobertura sobre as mudanças climáticas, a jornalista afirma que hoje a humanidade concentra grandes esforços na tentativa de evitar o agravamento da crise do clima, mas ao mesmo tempo questões de fundo não são visibilizadas ou debatidas.
“Quando se fala de crise climática não é uma abstração. Sempre gosto de provocar porque temos que saber quais as ações que são feitas e muitas delas tem a ver com a sociedade capitalista. Nos últimos tempos há uma defesa de combate à crise que vem do mercado, da solução que vem do mercado”.
Segundo Elaíze, “na verdade, é uma agenda capitalista, muito bem-feita e que muitas vezes a gente não percebe, como a ‘economia verde. Fica na moda defender meio ambiente”.
Outro problema são as múltiplas formas de pressão que afetam tanto os indígenas quanto os profissionais do portal. “O assédio dos garimpeiros e do capitalismo sobre as comunidades é grande. Há o apelo pelo dinheiro, até por conta do abandono dos indígenas pelo Estado brasileiro”.
No caso do portal, “uma das ameaças mais graves é o assédio judicial. Há uma campanha de financiamento coletivo ocorrendo, para pagar a defesa do Amazônia real devido a processos movidos por empresas denunciadas nas reportagens.
Ao finalizar sua exposição, Elaíze ressaltou a importância do diálogo prévio com as comunidades para realização das reportagens:
“A gente faz um diálogo prévio. Não dá para chegar lá e perguntar se eles falam, isso é o jornalismo antigo. É preciso diálogo, ter esse respeito e não chegar pisando forte achando que vai ajudar porque muitas vezes vai expor a pessoa. É preciso ter método para trabalhar”, conclui.
Por Flaviana Serafim
Fotos: Darcy Lima